sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Empatia



Olho-te e sei o que pensas.
Olhas-me e sei o que pensas.
Foges com o olhar e sei
em que acabas de pensar.


Dizes uma palavra, solta.
Dizes uma frase, profunda,
e eu acabo por dizê-la
um mês, dois dias, no minuto seguinte
com um sorriso que volta.


Chegamos a dizer a mesma coisa
no mesmo segundo, a mesma palavra
no mesmo milésimo, a mesma letra
e o som, a expressão, o riso.


Parece tudo tão perfeito.
Parece tudo tão bonito.
Parece tudo tão eterno.


E não é perfeito, porque estás longe.
E não é bonito, porque só vejo saudade.
Mas é eterno.


Porque tenho memória.
Porque tenho coração.
Porque te tenho dentro de mim.


Mãos nas mãos,
olhos nos olhos,
alma no espelho
e somos irmãos.


De carta em carta
de pé o alcatrão,
os outros vêem-se,
nós não.


Olhos nos olhos,
alma no espelho.
Falamos. E somos gémeos.


Missivas de olhos vendados
palavras de corpos apartados.
Falamos. E não deixamos de o ser.




Perto de ti, sou feliz,
sinto-me bem e apetece-me o Sol.
Perto de ti, sou contente,
paro, olho e escuto em volta.
Perto de ti, sou turista,
filmo e amo as pessoas.


Contigo, sinto-me completo,
nem que seja por um minuto.
Contigo, sinto-me completo,
nem que seja por um sorriso.


Contigo... sinto-me bom, bem, realizado.
    sinto-me bonito.
    sinto-me eterno.


No entanto...


Nunca serei perfeito.
Nunca fui bonito.
Mas sou eterno.


Porque tens memória.
Porque tens coração.
Porque me tens dentro de ti.




Domingo, 18 de Fevereiro de 1996
SAC

sábado, 3 de setembro de 2011

Dura Realidade


Estou de pé à espera de autocarro.
Com uma mão bebo a minha chávena,
com outra tiro roupa de um armário
e faço as malas para fora daqui.

Cheguei à conclusão que a chávena
era de louça e não se podia beber
e que o armário era imaginário
quando um autocarro me encheu as calças de água.

Enquanto os outros, desesperados,
gritavam, berravam, coitados,
eu sorri, conformado: não havia nada a fazer.

Quarta-feira, 6 de Novembro de 1996
SAC