sexta-feira, 19 de junho de 2009

A minha Primeira Bebedeira (o lado negro da palavra viver)

Que me lembre esta é a primeira

que me deixa no chão sempre em pé,

a andar demasiado depressa,

demasiado bem e demasiado até,

para quem anda para todo o lado

sem nunca perguntar: porque é?


Que me lembre já dura há muito tempo.

Tempo demais para cá e para lá

a correr demasiado inconsciente,

demasiado doente e demasiado atado,

para que do outro lado me vejam

sem nunca perguntarem: porque será?


Já devem ter percebido...

a bebedeira é de sobriedade.

Sim, não estou a cair para o lado,

p’ra trás, para a frente, na diagonal,

na vertical, em cima da mesa para o outro lado.


Sim, não estou a cair de bêbado

para cima dos outros e de mim,

sem saber que as maçanetas se rodam,

sem saber que as portas se abrem,

sem saber que as persianas só fecham para baixo,

sem saber que o coração é um casaco que se veste.


Estou bêbado, a cair, de andar direito

por cima dos outros, por cima de mim.


Estou bêbado por saber

que às vezes as maçanetas enferrujam,

que às vezes as portas não abrem,

que as persianas abrem para cima,

mas também que as nuvens que tapam o Sol

não dependem de nós,

nem o calor, abafado,

que nos deixa deixar o casaco

no armário, fechado...


A minha bebedeira é a vida.

Tento viver como os outros.

Tento dormir como os outros.

Mas só consigo acordar como eu!


Acordo sempre o mesmo,

apesar de ter mudado.

Tento sempre mudar,

apesar de saber que serei sempre o mesmo.

Não por teimosia... por coerência.


Tento acordar os outros,

mas desligam-me

como a um despertador fora-de-horas

ou passam por mim

como por um anúncio muito visto.


Um dia destes desisto

dos que bebem desta vida para esquecer,

dos que se fazem escravos do tempo sem querer,

dos que bebem para esquecer que são bêbados,

dos que bebem para esquecer que são almas.


Sexta-feira, 27 de Junho de 1997

SAC

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Frustração

Já nada do que fiz me contenta.
Já nada do que tenho me interessa.
Já nada do que sinto me apetece.
Já nada.
Já nada.
Já nada.

Chamem um médico, que me sinto doente.
Chamem um psicólogo, que me vou suicidar.
Chamem um amigo, que me sinto tão só.
E chamem um polícia, que vou matar alguém,
talvez o amigo que me trouxeram, não sei.
Tragam-me um filósofo, que só sei que nada sei.
Tragam-me um bombeiro, que tenho o coração a arder.
Tragam-me um coveiro, para me desenterrar.
E tragam-me um juiz, para decidir por mim.
E tragam-me um professor, que acho que não aprendi,
mas que seja bom, senão mato-o também.
Tragam também um cirurgião plástico - estou farto do meu espelho.
E um qualquer político em que eu acredite.
E um bom vendedor, que me convença a viver.
E um bom actor, que me faça sorrir.

Se nada disto resultar...

Não me tragam doces.
Não me tragam crianças.
Não me tragam filmes e fotografias do meu passado.
Só me fazem chorar.

Tragam-me sim uma mulher que me ame
para que não me lembre,
para que não me desfaça,
para que me esqueça
que já nada do que fiz me contenta,
que já nada do que tenho me interessa,
que já nada do que sinto me apetece.

Segunda-feira, 19 de Janeiro de 1998
SAC

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A esperança de morrer feliz

Quando não há alegria
há tristeza, ou pelo menos,
(sem que de menos
isso tenha muito de mais,
pois que não é demais
a vida ter muito de menos)
a tristeza de não haver alegria,
ou a saudade de tempos alegres
que já não voltam mais...
ou a saudade de tempos de tristeza,
mas que são belos, lindos
e que são ternos, e-ternos,
mas que não voltam mais.

Quando não há alegria
há tristeza,
há saudade,
há o presente.

Mas há eternamente a esperança.
E nela a confiança
feita de aço e perseverança,
feita e lembrada todos os dias...
feita de uma réstia de futuro.
Feita e lembrada todos os dias...
feita de uma réstia de futuro.
Feita e relembrada todos os dias...
aquela que é feita de sombra,
e a sombra que é do rio que corre debaixo da ponte que me sustem.

A ponte já foi ela.
A Terra dum lado a outro já foi ela.
Agora sou eu. Outra vez.
Outra vez me vejo.
E choro ao ver-me.
Outra vez olho o rio.
E choro ao vê-lo.
E choro ao vê-lo chorar por vê-lo.

Que saudade tenho eu da morte (outra vez).
Mas que estranha esperança tenho eu no coração:

Que morra no mar alto,
para onde o rio corre
e que me eleve no céu...
nas nuvens, no breu...

Terça-feira, 30 de Janeiro de 1996
SAC