Que me lembre esta é a primeira
que me deixa no chão sempre em pé,
a andar demasiado depressa,
demasiado bem e demasiado até,
para quem anda para todo o lado
sem nunca perguntar: porque é?
Que me lembre já dura há muito tempo.
Tempo demais para cá e para lá
a correr demasiado inconsciente,
demasiado doente e demasiado atado,
para que do outro lado me vejam
sem nunca perguntarem: porque será?
Já devem ter percebido...
a bebedeira é de sobriedade.
Sim, não estou a cair para o lado,
p’ra trás, para a frente, na diagonal,
na vertical, em cima da mesa para o outro lado.
Sim, não estou a cair de bêbado
para cima dos outros e de mim,
sem saber que as maçanetas se rodam,
sem saber que as portas se abrem,
sem saber que as persianas só fecham para baixo,
sem saber que o coração é um casaco que se veste.
Estou bêbado, a cair, de andar direito
por cima dos outros, por cima de mim.
Estou bêbado por saber
que às vezes as maçanetas enferrujam,
que às vezes as portas não abrem,
que as persianas abrem para cima,
mas também que as nuvens que tapam o Sol
não dependem de nós,
nem o calor, abafado,
que nos deixa deixar o casaco
no armário, fechado...
A minha bebedeira é a vida.
Tento viver como os outros.
Tento dormir como os outros.
Mas só consigo acordar como eu!
Acordo sempre o mesmo,
apesar de ter mudado.
Tento sempre mudar,
apesar de saber que serei sempre o mesmo.
Não por teimosia... por coerência.
Tento acordar os outros,
mas desligam-me
como a um despertador fora-de-horas
ou passam por mim
como por um anúncio muito visto.
Um dia destes desisto
dos que bebem desta vida para esquecer,
dos que se fazem escravos do tempo sem querer,
dos que bebem para esquecer que são bêbados,
dos que bebem para esquecer que são almas.
Sexta-feira, 27 de Junho de 1997
SAC