sábado, 22 de agosto de 2009

É Dia!

É dia!
Acordei sem abrir meus olhos.
Dirigi-me à janela do quarto
e lá flutuava a bruma aos molhos
sem que o céu ficasse farto.

Cobri-me então com um roupão,
que fazia frio no parapeito,
quer o fresco traria a disposição
e o Sol, agora rarefeito.

Deixei-me vestir por completo
por ondas de crepúsculo rosicler.
Qual aurora de muito perto,
alvorada florescida que se quer.

O pão e a manteiga derretida,
o café com leite e a colher,
como em casa favorecida,
como em casa de mulher.

Com o jornal da manhã
e as fenestras e eu
decorados no amanhã,
cada um com o seu.

O Sol entranhava no chão
e em mim, ossos, pele, cabelo.
Arrepiava o pêlo até à mão
e meus olhos fechavam como um elo, no meio da escuridão.

Já na rua descoberto,
o Sol fazia sua aparição
no meio do tecto, parecia quieto,
parecia, no fundo do coração.

Já no banco de um jardim,
estatelado estava eu,
com rosas, perfume e jasmim
do coração que mas deu.

Lá no alto escurecia
o céu que o Sol deixava
e a dor do amor que padecia
toda a cidade enlutava.


Do dia se fez a noite
e do amor ardente gelo
não quer dizer que pernoite
para sempre em seu cabelo,

não quer dizer que anoiteça
sem o derreter e também
não quer dizer que aconteça
o que faça acontecer.

Que esqueça na escuridão
a claridade de seus olhos,
Que olvide o embrião
desta minha paixão de escolhos.

Que se deslembre a paixão,
que cesse o fogo, que nasce o não.

Que se enterre o amor se tanto se possa fazer,
pois que este viverá para além do falecer.

Que morra aquela no fumo de cinzas
e que daquele brote uma flor, transformada pela terra,
transformada pela dor.


Março de 1995
SAC

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Nesta Caneta em que me Deito

Nesta caneta em que me deito
há milhares de histórias por contar,
há cidades de luzes por acender,
há globos terrestres por girar.

Há também gatos que vão crescer.
Há também miados que vão cessar
e fados que te encantarão
e deuses que te escolherão

dentre as flores que se encolhem,
dentre as aves que só fogem,
dentre as luas mais distantes,
dentre os lábios que os beijam
nos seus tronos onde descansam
a paz, a eternidade e os instantes.

Dádiva ensombrada pelo mundo,
és delícia enfarinhada por Deus,
és cativa da Lua e do céu,
és toalha que abriga o mendigo,
és dança que dança no silêncio,
és chuva que chove no infinito.


Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 1997
SAC

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Foste embora


Quando entraste naquela sala
perdeste o brilho e a luz
perdeste o sorriso e a força
perdeste-te e a mim também.

Quando te foste embora
perdeste a lucidez e o nada,
perdeste tudo e a razão,
perdeste a tua vez e a minha.

Quando rodaste a maçaneta
percebi que era o fim
e o princípio de um mim
e que não era de ti que tu gostavas.

Quando bateste com a porta
percebi que tinhas deixado entrar
a tristeza e a solidão,
a fraqueza e a negação,

para além do desespero,
para além da faca e do revólver,
para além de mim.
Sim, esse agoniante eu que voltei a ser.

Quando te foste embora
percebi que era o fim
para além do desespero,
para além da faca e do revólver,
para além desse eu agoniante que voltei a ser.

Quando te foste embora
percebi que era o fim
e que não era de ti que tu gostavas
nem de mim, nem de mim.


Quarta-feira, 24 de Outubro de 1996
SAC