quinta-feira, 23 de julho de 2009

Os Sonhos

Os sonhos são lindos, florões
mas que furam feitos balões.
São intermináveis sacarinas
que se desfazem como serpentinas.

Os sonhos são almofadas gigantes
em saúde e sorte marchetadas,
mas que agora distantes
não passam de moedas douradas.

Os sonhos!
O que de mais real têm os homens,
porque a realidade é a verdade
e os homens são falsidade.
Eterna falsidade e falsa eternidade.

Queira Deus e o Homem que sim,
pois não aguento, tanto tempo assim:

“- Faredes o que mandado vos é.”
Que sim. Que sim.
Digo e redigo sem abrir os olhos,
pois que mandado me é e mandado me foi e mandado me será

viver sem ver
a ver se não via
o que realmente havia
antes de escurecer,

ver sem viver
e a viver recebia
a cova que pedia
sem a ver viver.

Os sonhos são belos,
enfeitados de prazer,
perfeitos como elos
e rodeados de luar
e marchetados de canções,
misturados, conchas e mar,
como num poema de Camões.

Os sonhos são lindos.
Lindos, lindos de morrer.
Os sonhos são lindos.
Lindos, lindos até morrer.

Os sonhos estão acordados.
Nós é que estamos adormecidos.

Quinta-feira, 10 de Agosto de 1995
SAC

terça-feira, 14 de julho de 2009

Lembro-me

Lembro o teu sorriso
como pétalas a desabrochar
num jardim plantado a crescer...
como se fosse Primavera
num coração onde a maldade...
fosse como... desaparecer...

Lembro a tua mão
como de princesa a adormecer
linda num castelo de jardins...
como se fosse um tesouro
guardei-a na minha saudade...
enchi-a de festas e jasmins...

Lembro o teu corpo
como luz a florescer
num longo vestido escuro...
como Sol que encandeia
a respiração dos imortais...
que morrem... por um segundo...

Lembro os teus olhos
como mel a derreter
num boião de açúcar...
como janelas para a bondade,
para a ternura, para fora daqui...
para dentro de ti...

Mas também os lembro
como lágrimas a chorar
num mar de ondas ao contrário,
numa noite de amizade,
num carinho de verdade...
como se fosse Primavera
num coração onde a maldade...
fosse como... desaparecer...

Sexta-feira, 1 de Novembro de 1996
SAC

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Em que Vaga Chegarei Até Ti

Em que vaga chegará o meu poema?
Numa vaga de sorte, pela manhã
quando as pegadas na praia ainda não são tuas...

Em que vaga chegará o meu carinho?
Numa vaga de tempo, pela tarde
quando as pegadas forem sonhos que procuras em vão...

Em que vaga chegará o meu amor?
Numa vaga perdida, pela noite
quando as tuas pegadas já desapareceram,
quando as flores nos jardins já murcharam,
quando eu adormecer... para sempre...

Quarta-feira, 28 de Agosto de 1996
SAC

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Assim se Faz Um Velho

Assim se faz um velho:
canudos e livros esquecidos,
paredes e lamentações vãs,
salas e anfiteatros desguarnecidos,
tinta de canetas muitas e muitas cãs...

Comboios e autocarros apinhados,
descidas que já subi,
vidas que já vivi,
subidas donde já caí,
vendedores e mendigos calados...

Quilómetros percorridos... porque os fizeste?
Furiosas mulheres... por quem me tomaram?
Lábios de relações inférteis... porque os beijaste?

Tenho o rosto macerado de farsas,
os meus olhos são buracos por onde entraram muitos outros,
a minha boca está fechada, pejada de cicatrizes,
pela minha testa passaram centenas de arados
e as minhas orelhas são covas abertas por todos.

e assim as pessoas
e assim elas, aquelas
aponto com dedo acusador.

e assim me fazem velho:
beijos e beijos esquecidos,
festas e carinhos guardados
nas gavetas por latidos
de cães e sentimentos anafados

pela gula da inconsciência,
pela ingratidão do esquecimento,
pela frieza de um fingir,
pela conversa que não o é,
pela cobardia do não gostar,
pela triste sinfonia de perder uma pessoa
por deixar de sentir um sentimento
por viver do passado, do medo e não do momento.

e assim as pessoas
e assim elas, aquelas
aponto com dedo acusador:
estou velho por causa delas.


Quinta-feira, 18 de Outubro de 1996
SAC

Amor


O amor é o suicídio lento da alma
de quem se mascara com a essência,
de quem se esconde da insensibilidade,
de quem se despe quase com... displicência,

de quem liga ao que dizes sem querer,
de quem liga ao que queres sem dizer,

de quem se droga com um rosto,
de quem se embebeda com um sorriso,
de quem se não contém nem contenta com um corpo,
de quem só quer um pequeno paraíso.


Terça-feira, 28 de Janeiro de 1997
SAC

Alguém que queres que diga

“Quem é por detrás da porta?”
É a tristeza assombrada
que bate com a tua mão.
É a tua alma que brada
palavras e versos em vão.

“Quem é por detrás da porta?”
Não abras que é ladrão,
ladrão de amor e carinho,
de conforto e rosmaninho,
erva-doce e castanhas no fogão.

“Quem é por detrás da porta?”
Amigo não queiras saber,
não queiras saber quem é
aquele que não quer saber
quem tu és, quem queres ser.

“Quem é por detrás da porta?”
Descansa não é ninguém.
Não sente, não dorme, não se cansa,
não se furta, não vive e não lhe dói
o que de vida são tuas lágrimas.

“Quem é...?”
Por detrás da porta?
Alguém muito especial
que não te quer.
Alguém que te olha
sem te ver.
Alguém que só é
se quiser.

Por detrás da porta amigo
está um mundo à tua espera,
está um fundo sem poço no cimo,
está alguém que bate com coragem.


Quinta-feira, 5 de Dezembro de 1996
SAC