Tentei matar-me,
mas a corda era de areia.
Já não bastava o mundo o ser.
Ser castelo de cartas,
muralha de dominó a crescer,
água a ferver...
em labaredas de amor
que estaladas dão,
não de vinho e prata,
mas agridoce que mata
as veias ao coração.
Que um raio as parta
por fazer correr o sangue que o ata,
apaixonado pela feição
da dona a quem me dei de amor.
Tentei matar-me,
mas a corda era de aço.
Já não bastava o mundo o ser.
Ser betão, chumbo e cimento,
um pobre lamento,
eucaliptal vampiro
e o sangue era meu...
De que veias o trouxe não sei.
De que ventre as tirei... talvez.
Mas sei, isso sei, é certo,
que o sangue que agora é seiva
de um triste eucalipto vampiro
que faz agora seu o suspiro,
faz também o amor incerto
nas veias que sempre atiro
para um chão que sofre de queda.
Mas o que logo penso e não retiro
e que é certo que incerto não é decerto,
é que a alma do amor não firo,
pois é por ela que ainda respiro,
pois é dela que a minha é viva,
e o que sinto por ela ao longe já o penso de perto.
Tentei matar-me,
mas a pólvora estava seca.
Já não bastava o mundo o estar.
Estar lógico, racional e científico,
sendo eu ilógico, irracional e sabonete dentífrico:
não sirvo para nada
ou serei
o único inteligente
num mundo ininteligível
ou serei
o único louco
num mundo de doidos
ou serei
o único leitor
num mundo ilegível.
Tentei matar-me,
mas o amor é demasiado bonito,
não dá lugar ao ódio
e é tão infinito.
Tentei matar-me,
mas o amor é tão bonito.
Pinta-me de cores
quando estou a preto-e-branco.
Suaviza-me as dores
quando olho para a Lua e me vejo
montado num quarto crescente,
crescente o desejo, o ensejo...
Se a tivesse...
Se tivesse o amor...
Tentei mandá-lo embora,
mas só iria se eu fosse também.
Tentei matá-lo de hora a hora,
mas só morreria se eu morresse também.
Domingo, 10 de Março de 1996
SAC
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