sábado, 3 de outubro de 2009

Dubia Aeterna ou O Carteiro Morreu Quando Voltava


Serás tu... também
ou serei apenas eu.

Serei apenas eu a imaginar amar.
Serei apenas eu a amar o imaginar...

Serão os meus olhos que te fazem mais bonita?
Serão os teus mentirosos e ingratos?
Serão os meus ingénuos, mimados que fazem fita

quando te não vêem,
quando te não olham,
quando te não espreitam

fazem-se tristes, melancólicos,
fazem-se cegos, hiperbólicos,
fazem-se caídos, como lágrimas,
trago-os fechados, como cofres.

Guardam-te lá dentro
a dizeres o meu nome.
Guardam-te lá dentro
a pensares talvez.

Porque existes tão bela?
Porque existes tão formosa?
Poderias ser bela e formosa,
mas horrorosa na minha mente...
mas a mente não me mente
e quem se sente demente sou eu.

E pergunto-me vezes sem conta
se por uma hora que duvidasse existir,
por minuto que esquecesses a seguir,
por um só momento de loucura,
por segundo que se esgotasse,
por vácuo escondido na tua candura
de tempo diluído que parasse,
me amaste alguma vez.

Teus olhos não mentem,
teus olhos não choram, por mim,
teus olhos não vêem,
teus olhos não olham.

Se mentissem, não te amaria.
Se chorassem, eu os secaria.
Se vissem a luz que se acende
dentro do meu coração
quando os vejo...

Se vissem a grade que me prende
à tua sedução
e ao meu desejo...

Se olhassem, mas não olham.
Se olhassem, mas não vêem.
Se olhassem diriam que sim.

Que sim à vida e à coragem,
que sim à emoção e à verdade,
que sim mesmo que estivesse já morto.
Que sim, que eras fidelidade,
que sim, que eras tua e assim minha,
que sim, que eras e não ilusão.

Que não era só minha a ilusão,
que não era só meu o desejo,
que não eram só minhas as tuas palavras,
que não eram só meus os teus gestos
que prometiam a vida eterna,
que prometiam eterna esperança...

Que não, que não era eu,
que sim, que tu existias,
que sim, que as palavras eram tuas,
que sim, que eram teus os teus gestos...

diziam carinho e conforto,
diziam presença e ambição,
diziam piedade por um morto,
escreviam que me amavas,
mas o carteiro morria quando tu voltavas
a mentir, ou a dizer a verdade,
a sofrer, ou a esqueceres-te de mim,
a chorar, ou a limpá-las de tanto rir.

E os teus gestos diziam
não sei mais que saudades
e escreviam que me amavas,
mas o carteiro morreu quando voltava.

E os teus gestos diziam talvez.
E os teus olhos diziam que sim.
Mas o carteiro disse-me que não.


Quinta-feira, 8 de Agosto de 1996
SAC

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