domingo, 16 de outubro de 2011

Assim se Faz Um Velho



Assim se faz um velho:
canudos e livros esquecidos,
paredes e lamentações vãs,
salas e anfiteatros desguarnecidos,
tinta de canetas muitas e muitas cãs...


Comboios e autocarros apinhados,
descidas que já subi,
vidas que já vivi,
subidas donde já caí,
vendedores e mendigos calados...


Quilómetros percorridos... porque os fizeste?
Furiosas mulheres... por quem me tomaram?
Lábios de relações inférteis... porque os beijaste?


Tenho o rosto macerado de farsas,
os meus olhos são buracos por onde entraram muitos outros,
a minha boca está fechada, pejada de cicatrizes,
pela minha testa passaram centenas de arados
e as minhas orelhas são covas abertas por todos.


e assim as pessoas
e assim elas, aquelas
aponto com dedo acusador.


e assim me fazem velho:
beijos e beijos esquecidos,
festas e carinhos guardados
nas gavetas por latidos
de cães e sentimentos anafados


pela gula da inconsciência,
pela ingratidão do esquecimento,
pela frieza de um fingir,
pela conversa que não o é,
pela cobardia do não gostar,
pela triste sinfonia de perder uma pessoa
por deixar de sentir um sentimento
por viver do passado, do medo e não do momento.


e assim as pessoas
e assim elas, aquelas
aponto com dedo acusador:
estou velho por causa delas.


Quinta-feira, 18 de Outubro de 1996
SAC

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