sexta-feira, 9 de julho de 2010

Fique Menina, Fique


Detesto como brincas com os meus carrinhos,
como os amandas uns contra os outros,
como os amandas contra a parede
como se fossem bolas de ténis,
como os estragas e desmanchas e como acabas com eles.

Detesto como gozas as minhas borbulhas,
como gozas o meu corpo e me chamas bigodes,
como ando vestido, como corro, como ando,
como se fossem as tuas críticas bocados de cérebro que me faltam,
como me crias preconceitos, invejas inúteis e como acabas comigo.

Detesto como levas de volta tudo o que me deste
como prova do teu amor, como amor da tua prova,
como foste o primeiro amor e a primeira desilusão,
como nem tudo é totalmente bom nem mau,
com nem tudo é, totalmente.

Detesto como as pessoas mudam de trato
como quando ando de gravata ou de calções,
como me chamam vagabundo por estudar,
como me chamam estúpido por deixar,
como me dizem que nada sei da vida,
como lhes respondo que a vida nada sabe de mim.

Detesto como sem curso não valho nada,
como isso não é verdade, como isso é mentira,
como se fossem os cursos que fazem os homens e não o contrário,
como se os copos bebessem a água,
como se o sol tapasse a luz que irradia das persianas.

Detesto como me beijas sem sentir,
como adormeces sem me falar,
como falas sem me convencer,
como se fossem extintas as palavras belas,
como me explicas que nunca fui teu.

Detesto que só o digas agora,
como tiveste coragem para esconder,
como tiveste azar de eu ser assim
como uma lágrima que cai sem parar,
como já não há espaço para amar.

Detesto que só restem os filhos
como entre nós não há nada,
como tenho que provar que ainda estou vivo,
como sou homem, empregado, amigo, cidadão e amante,
como já passou tanto tempo e não pára,
como já não pára de crescer aquela primeira branca.

Detesto como já não é a única,
como me enchem a cabeça as brancas,
como me torno careca e curvo,
como preciso de bengala e descanso,
como me abandonam as pessoas.

Detesto como morrem os meus amigos,
como morreu a minha mulher,
como me deixam os novos,
como me perseguem as batas e as dores,
como já não valho a minha vida,
como são ingratos comigo,
como sou inútil para eles.

A menina diz que não,
que os seus olhos não são bonitos
mas como os seus olhos, menina enfermeira
não há outros, nenhuns.
Através deles, claros e verdes,
vejo o amor que nunca tive
e o ódio que tenho deixo de o ver.

Sábado, 26 de Fevereiro de 2000
SAC

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