domingo, 25 de julho de 2010

Um Certo Errante


Da vidraça do carro que conduzo, à chuva,
por sobre as rodas na paisagem longa, alentejana…

As nuvens cinzentas parecem hordas de bárbaros ao longe.

Cavalgando por sobre o horizonte imenso,
agitam imensas espadas imensas desembainhadas.
Derrotam inimigos audazes e inexistentes.
Antecipam naquela imagem surda a beberagem de um novo saque,
brilhante de oiros e praitas e coibres e de amantes as noites melhores.

Antecipam mudamente,
enquanto afinal corro pelos caminhos de alcatrão
a velocidades inconfessáveis e loucas.
Antecipam aquela sórdida véspera do prazer,
na noite da audácia na loucura e na destruição,
como um breve despiste rumo ao suicídio,
num tique brusco e voraz num volante guinando o carro louco em direcção ao absurdo…

Em vez do acidente…

Gota a gota, precipita-se a chuva,
obliquamente sobre o pára-brisas do meu automóvel
onde se defuntam esses bárbaros tornados nobres,
na velocidade de uma paragem brutal.

Parados não são bárbaros.
Bárbaros parados são mais nobres que nobres,
se dessa paragem fizerem alento e pausa
que outros não ousam.

Um bárbaro parado é um errante que finalmente acerta,

se o amor for a sua convicção,
se o amor for a bandeira que hasteia no coração.
Desabrida e completa.
Apaixonada e certa.

Se correr,
nessa corrida que o trouxe até parar,
sem medir sentinelas nem punhos que o tentavam esfocinhar,
sem contar medidas delas nem cunhos que o tentavam viciar,
sem aferir moedas, moerdas, merdas, medas vendidas, incendiadas,
medos horrorizados, viciados,
guiados, telecomandados,
mandados, subjugados,
peixes dados e não pescados,
peixes filhos das redes e não suados.
E pensar só por si nessa errância pura e livre…

Estará parado.
Mas dentro de si viverá para sempre uma corrida eterna.

Porque errado é estar parado na hora de correr.

Sábado, 06 de Dezembro de 2008
São João da Talha

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